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REFUGIADOS E A PROTEÇÃO INTERNACIONAL

Uma pessoa refugiada é alguém que foi forçado a deixar o seu país por causa de conflitos, guerras ou perseguições pessoais e grupais, existindo um receio fundamentado de perseguição por motivos de “raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas”. Os refugiados existem, pois os seus países de origem não podem ou não querem providenciar a proteção e segurança que necessitam. 

Ser refugiado é diferente de se ser imigrante. A diferença está no facto da pessoa refugiada não escolher sair do seu país. Ela é obrigada a fugir, por uma ou várias das razões acima mencionadas. Por outro lado, para uma pessoa imigrante, sair do seu país para ir para outro, constitui uma decisão que implica ponderação e preparação. Podendo preparar uma série de elementos como: o que levar, como viajar, onde ficar quando chegar, como tratar da documentação, onde ter de ir para ter informações ou resolver alguma questão, quem contactar, onde ir trabalhar ou onde procurar emprego, etc. No caso das pessoas refugiadas todos estes elementos são inexistentes, sendo-lhes retirada qualquer liberdade de escolha, especialmente quanto a sair do seu país e para onde vão. 

Mas há ainda um longo percurso a percorrer antes que alguém consiga adquirir o estatuto de refugiado... Primeiro, é necessário que a pessoa esteja noutro país de modo a poder pedir proteção internacional, isto normalmente implica longas e perigosas travessias que são feitas a pé ou de transporte, por terra ou por mar, dada a impossibilidade ou dificuldade em conseguir vistos de viagem estando a ser perseguido pelas autoridades ou estando o país no meio de um conflito. 

Decidimos fugir da Síria quando eu tinha 14 anos. Tínhamos sempre muitas dúvidas — "Sair para onde?", "E se a guerra estiver a acabar?" –, mas sabíamos que, se ficássemos, seríamos mortos ou ficaríamos doentes. Andámos seis horas a pé, durante a noite, para chegar à Turquia. Pelo caminho, no meio da confusão de toda aquela gente que corria para a fronteira em silêncio, para não sermos apanhados pela polícia, perdemos duas das minhas irmãs. Elas tinham três e nove anos. A minha mãe chorou o caminho todo, mas tínhamos que estar calados e correr. Calar e correr. Eu sabia que não era um jogo: podíamos ser mortos se nos apanhassem. Só as encontrámos horas mais tarde, já na Turquia, com outras pessoas refugiadas que cuidaram delas.

Mulher refugiada da Síria a viver em Portugal

Dadas estas dificuldades e a inexistência de rotas seguras e legais que permitam que as pessoas possam fugir do seu país de forma regular, cerca de 69% encontra refúgio nos países vizinhos. Isto faz com que cerca de 75% dos refugiados estejam acolhidos por países de renda baixa ou média. Muitos destes países não têm a capacidade ou as infraestruturas adequadas para poderem acolher ou integrar tantas pessoas tão vulneráveis, isto faz com que campos de refugiados, muitos deles improvisados proliferem nestas zonas. A maioria das pessoas que acabam num campo de refugiados permanece por longos períodos, por vezes a vida toda, havendo múltiplas gerações a nascerem e a conhecerem apenas estas instalações, que muitas vezes se assemelham a autênticas cidades. Cerca de 22% dos refugiados em todo o mundo vivem fechados em campos. Apesar de ser difícil contabilizar a quantidade de campos de refugiados que existem, estima-se que haja mais de 500 campos no mundo, estando a maioria localizados no continente africano. 

Sou o mais velho da minha família, quando saí tinha apenas 16 anos e já se passaram quase dois anos desde que cheguei ao Sudão. A vida no campo é muito difícil, o ambiente é rigoroso e a ração alimentar fornecida no campo mal dá para uma semana. Não tenho ninguém lá fora ou da diáspora que me apoie, por isso estou agora a lutar para me sustentar. Tentei trabalhar na quinta com os habitantes locais, que normalmente nos maltratam e geralmente se recusam a dar-nos o salário e nos expulsam com pouco ou nada. Agora estou preso, não posso continuar porque não tenho recursos para pagar aos contrabandistas. Estou psicologicamente e fisicamente numa situação muito má. Estou desesperado e não sei o que fazer ou para onde ir.

Rapaz refugiado da Eritreia a viver no campo Shagarab no Sudão

A vida também pode não ser fácil para aqueles que conseguem estabelecer-se fora dos campos. Há países que podem não reconhecer os direitos dos refugiados, que aliado ao aumento de ideias racistas e xenófobas, impossibilita que os adultos consigam assegurar emprego ou que as crianças acedam a instituições de ensino. Sem apoios e sendo muitas vezes discriminados pela população local, muitos refugiados vêem-se numa situação muito difícil nos países de primeiro asilo. Isto leva a que muitas pessoas refugiadas decidam candidatar-se ao programa global de Reinstalação, para serem reinstalados num outro país que ofereça melhores condições de acolhimento. 

A reinstalação é uma solução permanente para refugiados que são incapazes de se integrarem no país de asilo com necessidades específicas, sendo reinstalados num país terceiro. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) identifica refugiados vulneráveis em necessidade de reinstalação e avalia os casos individuais, com apoio de uma entrevista. São referidos os países mais adequados  de acordo com diversos critérios e os países aceitam ou não tais identificações. Os refugiados aceites têm verificações médicas e recebem orientação antes da partida. Os Governos, a OIM e ONG colaboram diretamente neste processo.

 

Mas a maioria dos refugiados fica anos no país de primeiro asilo à espera de poderem ser instalados num país seguro. Esta espera pode levar a situações de muita ansiedade e depressão, dependendo das condições em que se encontram e da realidade do país. Quando são reinstalados, os refugiados não escolhem o país de destino, aceitando serem enviados para um outro país muitas vezes por desespero. Apesar de esperarem muitos anos por uma solução, o processo entre a notificação às pessoas e a viagem para o país tende a ser muito rápido. A informação que recebem sobre o país de reinstalação, por vezes, é escassa ou enganadora, podendo levar a mal-entendidos e à criação de expectativas não realistas.

No Egito, atacaram-nos por diversas vezes e não podíamos fazer nada. Por termos uma cor diferente eramos considerados inferiores e que a nossa vida valia menos do que a deles. Esperámos 6 anos para que as nossas vidas mudassem até que nos disseram que íamos para Portugal. Ficámos muito contentes!

As pessoas do ACNUR que fizeram as entrevistas disseram-me que nos países europeus tínhamos muitos direitos, que íamos mudar a nossa vida. Disseram que iam dar tudo sem dificuldades, casa, trabalho, subsídios e documentos em Portugal.


Homem refugiado do Sudão do Sul a viver em Portugal

Além de chegarem através de programas programados como a Reinstalação, Portugal também recebe os chamados refugiados espontâneos, que conseguem chegar até ao nosso país e aqui pedem proteção internacional. A partir so momento em que fazem o pedido de proteção internacional, estas pessoas são requerentes de asilo, tendo os seus direitos, como é o caso de poderem trabalhar em Portugal. O procedimento de asilo não é fácil, implicando alguma burocracia e tendendo a demorar.

O processo de admissão depende dos casos individuais, da situação do asilo e da capacidade dos serviços. Em Portugal, a decisão de primeira instância terá de sair em 6 meses, com possibilidade de prolongamento até 9 meses para casos mais complexos. No entanto, há muitos casos que se podem prolongar por anos.

Longas esperas para saber se o pedido de asilo foi aceite ou recusado trazem consequências negativas para a vida dos requerentes, especialmente no âmbito psicológico, nomeadamente no foro da ansiedade e da PSPT. Isto tem impactos negativos na vida futura, especialmente ao nível da integração e do trabalho.

Após o processo de admissão, que inclui averiguação de factos e entrevistas, é emitida uma decisão sobre o processo. A tendência europeia é de um maior número de respostas negativas do que positivas aos pedidos de proteção internacional, em que 60% das decisões foram negativas em 2022. Portugal não foge a esta tendência, tendo recusado em 2021 mais de 80% dos pedidos. 

Honestamente, a tua vida é zero. Zero. Depois de uma decisão negativa. Não tens futuro. Todas as noites são um pesadelo. Todos os dias são maus. Porque ainda estás naquele quarto escuro. Não há brilho, não há luz.


Homem requerente de asilo a viver no Reino Unido

Mesmo depois das perigosas travessias, dos procedimentos difíceis ou mesmo da rejeição da população local, muitos refugiados continuam a viver tempos conturbados. A “bagagem” que trazem e as vivências que experienciam, aliadas a uma frágil saúde mental, associada a PSPT, provocam os altos e baixos do processo de adaptação. As dificuldades de adaptação fazem deste processo uma experiência com mudanças bruscas que podem durar mais ou menos tempo.

Também as diferenças culturais e todos os seus elementos são das questões mais difíceis de perceber e de ultrapassar. É necessário conhecer mas também ter a disponibilidade física e mental para iniciar um processo de mudança, para poder integrar os aspetos da cultura e vida da nova sociedade. Este é um processo longo e muito complexo, sendo imperioso o apoio da comunidade de acolhimento.

Cá em casa, foi uma bola de neve de conflitos e depressões. Sentíamo-nos fora do sítio. Mas, ao fim de um ano, eu consegui voltar a estudar; ao fim de um ano e meio, o meu marido arranjou emprego; e conseguimos voltar a fazer planos. É uma luta todos os dias, a língua continua a ser o meu principal desafio, mas tenho (e temos) que continuar a andar.

Sei que temos que continuar a tentar, tentar, tentar, fazer, fazer, fazer. Andar sempre para a frente. Há marcas do meu passado que não consigo deixar de trazer comigo, mas não quero ficar presa nelas. O medo tem que ficar no passado. Já recomecei a minha vida quatro, cinco vezes e não sei que mais voltas ela dará. Não faz mal, venha a próxima.


Mulher refugiada da Síria a viver em Portugal

A situação de muitos refugiados é facilitada ou dificultada pela realidade dos países de acolhimento em que vivem. Os apoios à integração e a forma como se presta esse apoio são determinantes para o seu sucesso e para a segurança, bem-estar e dignidade de vida dos refugiados. 

Um dos elementos essenciais para uma boa integração é a existência da rede social, permitindo apoiar e ajudar em todos os âmbitos, incluindo com coisas simples que fazem toda a diferença. 

Foi difícil começar tudo de novo. Nos primeiros tempos, achei várias vezes que não aguentava mais: ouvir o tempo todo uma língua que não compreendes; tentar descobrir as saídas por entre papéis e processos que não conheces; sobreviver entre as regras apertadas dos centros que te acolhem temporariamente; não ter trabalho nem nenhuma perspectiva de futuro.

Mas quando vim para Braga as coisas ganharam outra forma. Uma pessoa ofereceu-se para dar aulas de português às minhas filhas. Todas as semanas vinha buscá-las. Uma outra pessoa, que agora é uma amiga, deu-me trabalho e tornou-se fiadora para eu conseguir ter uma casa. Não temos planos para algum dia sair de Portugal. Não imagino que pudéssemos morar noutro lugar. Este país deu-me uma oportunidade quando eu estava perdida. Acolheu-me.


Mulher refugiada da RDC a viver em Portugal

As pessoas não escolhem ser refugiadas e fugir do seu país, fazendo-no para salvarem as suas vidas.

Todo o seu percurso está repleto de desafios, sendo difícil recomeçarem num país diferente, onde não conhecem a língua e a cultura e onde não têm ninguém. 


 


Mas este processo pode ser facilitado através do Patrocínio Comunitário, pois podem contar com a ajuda de pessoas locais. 

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